Jamais serei como as folhas secas que caem mortas no chão... Voarei por entre os ciprestes e chegarei a um lugar onde talvez ninguém me encontre, não importa. Recuso-me permanecer no ponto de partida; prefiro a solidão à mesmice.

sábado, maio 06, 2006

"Tira a mão que a sandália é minha! (uma odisséia no shopping)"






Segunda-feira, dia perfeito para fazer compras. As lojas vazias, os provadores à disposição, todas aquelas araras cheias de roupas novinhas à escolha, de vários tamanhos e cores...Nenhuma gritaria ou choro de criança, nada de gente empurrando, adolescentes correndo; um verdadeiro paraíso. Tomo meu café da manhã com calma, me visto o mais espartana possível; é melhor estar confortável para a longa jornada. Pego a bolsa e sigo direto ao templo capitalista do consumo, o meu idolatrado Shopping Center.
Estaciono fora do shopping, afinal pra quê pagar um estacionamento tão caro? Prefiro economizar e caminhar um pouquinho a mais, até que um pouco de exercício me faria bem. Olho no relógio, são apenas 10:00h, ainda é cedo, tenho todo o dia pela frente. Ao entrar naquele paraíso gelado cheirando a perfume francês e a pipoca recém-estourada, deparo-me com gente que se diverte, gente que passeia, gente que namora, gente feliz, gente maluca, gente, gente, gente...!!!

Pensei estar sendo acometida por uma alucinação, mas lembrei que havia tomado a minha dose diária de cafeína, não podia ser crise de abstinência. Sim, era uma segunda-feira: dia nacional dos shoppings vazios....e ele estava lotado!
Eu havia chegado até ali decidida a fazer boas compras e iria fazê-las por bem ou por mal. Empinei o nariz e caminhei de cabeça erguida em meio à massa.
Após desviar de "trocentas" pessoas, cheguei à primeira loja. Deparo-me com uma "gangue" de mulheres insandecidas com os braços abarrotados de roupas, sapatos e afins. Olho pro grande cartaz em letras luminosas: "Tudo pela metade do preço em 4 vezes sem juros, aproveite!!" Finalmente compreendi o porque daquela multidão numa segunda-feira, havia esquecido do "Dia de queima total!" Decido me unir ao grupo de mulheres ávidas por descontos, e munida de uma sacola vou à caça. Ao longe observo uma saia linda, aquela que eu procurava há um tempão. Corro para a arara onde estão penduradas apenas duas delas e na minha frente uma senhora de "formas abundantes", rápida como um raio, pega meu objeto de desejo: a saia verde-musgo, número 44 e grita para a amiga: "Olha Maria o que eu achei! Aquela saia que estão usando agora, sabe aquela da novela das oito?" A essa altura, me resta somente pegar a outra saia que sobrou, rezando pra que seja meu número, olho a etiqueta de soslaio e constato: número 40! Olho de novo em volta e não encontro nenhuma outra. Pergunto à moça da loja se por acaso ela teria outro número no depósito e ela diz que não, todas aquelas peças são as últimas do estoque. Decepcionada, vou em busca de otros "tesouros"....
Encontro uma calça jeans linda, modelo básico com umas pedrinhas de strass, vejo a arara cheia, BINGO! Certamente entre todas aquelas peças eu encontraria meu número. 40, 42, 38, 36... faltavam apenas três peças, não podia estar acontecendo comigo, eu queria apenas uma, umazinha com o meu número, fecho os olhos e me concentro, recorro à última peça: 44! Viva!! Agarro-me àquela calça com todas as minhas forças, ninguém a tiraria de mim, era minha! Acho uma blusa maravilhosa, um número a menos, mas não faz mal, quem sabe provando não estica? Não custa tentar. Depois de escolher algumas peças, vou em direção à seção de calçados. Olho com calma mas não vejo nada que me agrade, até que noto uma sandália fabulosa, dourada com lantejoutas multicoloridas, feita à mão, couro legítimo. Um pouco extravangante, é verdade, mas mesmo assim linda. Sempre sofri com meu pé avantajado número 39 e desde então nunca tive esperanças de encontrar meu número logo de cara. 34, 35, 37, 39... 39! Não pude acreditar nos meus olhos, era meu número naquela sandália linda! Agarrei-a o mais rápido possível, era minha eu vi primeiro. Provei, calçava como uma luva, mas olhando bem, era muito chamativa pra mim, todo aquele brilho numa sandália plataforma, me sentia uma espécie de Carmem Miranda "High-tech". Apòs refletir muito, com os olhos ofuscados pelo brilho daquela "jóia", recoloco a sandália na prateleira, não é pra mim um acessório assim tão diferente.
Dirijo-me ao provador onde enfrento uma fila quilométrica. Depois de esperar um tempão, finalmente entro e procuro uma cabine vazia, todas as melhores estavam ocupadas. Entro na única disponível, aquela que fica no ângulo da parede, esquecida por todos. Apesar do espaço claustrofóbico enfrento minha odisséia em busca da calça perfeita. Feliz por ter aquele jeans maravilhoso nem ligo pro calor- àquela altura do campeonato o ar-condicionado já não fazia efeito- me visto já pensando com que blusa usar aquela fabulosa calça, linda, justa...um pouco estreita, mas continuo, jeans novo é assim mesmo, depois cede. Consigo com muita luta vestir até um pouco acima dos quadris e num esforço sobre humano fecho o zíper. Olho-me no espelho e em vez de uma mulher vejo uma batata com pernas. Numa última tentativa, sem conseguir respirar direito, sento no banquinho do provador, quem sabe ela cede um pouco e... "zap"! Lá se vai o zíper. Não me resta mais nada a não ser desistir daquela compra. Já que estou no bendito provador, provo as blusas que escolhi. A primeira è muito curta e ultra decotada; decididamente o visual "rameira-chique" não faz a minha cabeça. A segunda, cor de pêssego desbotado me deixa com a aparência da minha avó, e a terceira um número maior que o meu parecia uma blusa de pijama. Odiei todas, perdi meu tempo e estava morrendo de calor. Devolvi todas as peças e decidida a voltar pra casa com alguma coisa, voltei à seção de calçados, determinada a comprar aquela sandália cintilante.
Na prateleira todos os números menos o meu, eu não poderia ser mais azarada, olho em volta pra ver se por acaso alguém a teria colocado em outra prateleira e eis que a vejo nas mãos de uma outra mulher!! Tinha mais ou menos 1,60m, e calçava 39! Presenciei com os olhos marejados outra que provava a "minha sandália"! Fiquei por ali, como quem não quer nada, se por acaso ela desistisse eu agarraria aquele objeto com todas as minhas forças. Não sei porque, mas desejava aquela sandália como nunca havia desejado outra em toda a minha vida, e por bem ou por mal ela seria minha.
Ela provava, se olhava no espelho, indecisa, passou uns quinze minutos analisando a bendita. Mas porque eu não havia pego antes? Como fui estúpida. Agora aquela mulher baixinha e gordinha a compraria e caminharia feliz e satisfeita pelas ruas ostentando o que deveria ser minha. Eu não poderia permitir, onde estavam meus brios, meus ideais? Eu tinha que seguir aquilo em que acreditava, tinha que reagir. Sentei-me ao lado da tal mulher, peguei um par de sapatos qualquer e emendei uma conversa de "João sem braço":
-É já a quarta vez que venho aqui, toda vez que compro um sapato tenho que vir trocar...
-Mesmo? me respondeu sem muita convicção.
-Ah é, eu comprei uma sandália aqui semana passada, fiquei com o pé cheio de bolhas, decidi trocar por outra que descolou as tiras depois de um dia de uso. Troquei novamente dessa vez por um sapato, você não imagina como era desconfortável, mal consegui caminhar... e agora estou aqui de novo, nem sei se troco por outro ou peço meu dinheiro de volta, acho até que é caso de falar com o gerente, o que você acha?
-Nossa, é a primeira vez que eu compro aqui. Estava pensando em comprar essa sandália, não é linda?
-Como estrutura é até bem feitinha, mas sinceramente, conhecendo os produtos daqui, eu não a aconselharia a levar. Olha que depois de meia hora de caminhada a você vai estar cheia de bolhas nos pés. Não vê como é grosseiro o material? E depois quem garante que é couro legítimo?
-Mas está na moda, todo mundo tá usando...
-Balela, querida, essa moda de brilho já era, você não viu a entrevista com aquele estilista famoso, como é que se chama mesmo? Bem, o importante é que ele disse que quem comprar essas coisas brilhosas vai se arrepender, já é "out". Disparei minha última cartada..
-Nossa, eu nem sabia disso....Respondeu a mulher já desanimada.- mas quem liga pra esse negócio de moda? Eles dizem tanta coisa. O importante é que eu gostei.
Eu não podia acreditar, ela ia mesmo comprar a sandália. Eu estava a ponto de partir pra cima dela e arrancar à dentadas das suas mãos. Ela se despediu e foi em direção ao caixa. Sim, era a mais pura realidade, lá se foi o meu sonho de consumo.
Segui-a com discrição, eu não iria desistir, quem sabe ela pensaria melhor e deixaria o produto. Ela olhava a sandália como se a analisasse, colocou no balcão e a apalpou várias vezes, estava em dúvida! Sim, ela estava em dúvida. Perguntou o preço à moça do caixa, pensou e pagou.
Ela havia comprado. Provavelmente era cara, visto que a minha rival havia pensado duas vezes antes de se decidir, mas pra mim não importava o preço, eu estava disposta a pagar, afinal eu tinha recebido um sinal dos deuses, aquela sandália tinha que ser minha ela me chamava. Pergunto à moça da seção se há uma outra do mesmo número, recebo um não como resposta. Já passava do meio dia, morrendo de fome e frustrada, decido comer alguma coisa.
Faminta, me dirijo até a praça de alimentação no afã de encontrar uma mesa vazia para descansar e comer alguma coisa. Encurralada por pizzarias, lanchonetes, restaurantes chineses, self-services, docerias e suas imensas filas, decido comprar um pastel de queijo e uma coca-cola; um lanche nada saudável, mas estava com tanta fome e a multidão era tão grande que o mais aconselhável era pegar o que saísse primeiro e nesse caso os pastéis nadando em óleo saíam em menos de cinco minutos. Encontro uma mesa vazia com uma cadeira, sento-me junto à um grupo de adolescentes endemoniados. Em meio àquela gritaria devoro meu lanche um pouco cabisbaixa. Compro um sorvete de casquinha, afinal é sempre bom comer algo doce quando se está deprimida. Caminho em direção ao corredor principal e na contra mão um garoto de mais ou menos doze anos se materializa do nada e esbarra em cheio em mim. Vejo-me toda suja de sorvete de creme cuja maior parte foi parar obviamente no chão. O dito cujo me diz um irritante: "-Desculpa aí hein, tia!" E eu ainda sou chamada de "tia". Sem palavras, dirijo-me ao banheiro feminino e encontro outra fila quilométrica; dezenas de mulheres esperando pra fazer xixi e se maquiar. Encontro uma pia vazia, abro a torneira que sem mais nem menos começa a espirrar água pra todos os lados principalmente na minha blusa já manchada de sorvete. Agora além de cansada e frustrada também estava molhada. Tento me secar num daqueles pavorosos secadores de mão, a instrução diz para colocar as mãos debaixo do aparelho e esperar que se acione sozinho. Faço mais ou menos três tentativas e nada, não funciona. Uso outro e mais ou menos conserto o estrago causado na minha blusa.
Volto aos corredores do shopping, dou uma olhadela ao redor, vejo tantas promoções, ofertas e cartazes de "queima-total", vejo também muita gente, as lojas abarrotadas de pessoas comprando freneticamente. Não tenho disposição pra enfrentar shopping lotado, aliás nunca tive, tenho pavor de multidão de qualquer espécie. Decido voltar pra casa, refaço então todo o percurso de volta à fatídica loja onde perdi a oportunidade de comprar minha sandália, visto que a saída era por ali mesmo. Assim como quem não quer nada dou uma outra olhada na seção de calçados, quem sabe por algum milagre encontro uma sandália igual àquela perdida por ali e.... sem palavras, estupefata e emocionada vejo a minha reluzente sandalinha de novo em exposição e número 39!
Corro imediatamente em direção à ela, e eis que surge na minha frente uma garota de mais ou menos dezesseis anos dizendo: "Olha mãe que linda!" Eu no alto dos meus trinta anos, com todas as minhas artérias e neurônios na mais perfeita ordem não podia permitir que me roubassem pela segunda vez! Sem pestanejar avancei na sandália e a agarrei com todas as minhas forças; "tira a mão que a sandália é minha!" A garota, atônita, me olhava como quem analisa um ser de outro planeta, certamente pensando que eu fosse uma louca, uma espécie de maníaca homicida. Tendo em mãos o objeto do meu desejo, corro em direção ao caixa. Contente e leve de espírito nem me importa o tamanho da fila, espero com prazer. Na hora de pagar, o preço um tanto "salgado" não me assusta, depois penso em economizar em outra coisa. Saio da loja com a sacola nas mãos como se fosse um troféu, enfim, venci!
Depois de uma semana, tendo já usado a minha "fabulosa" sandália umas três ou quatro vezes, chego à desagradável conclusão que ela realmente calça muito mal, e o pior, não combina com nenhuma das minhas roupas. Eu me sentia uma espécie de "Sandra Rosa Madalena", uma cigana desvairada montada naquela alegoria cheia de lantejoulas.
Com uma bolha em cada pé vejo que aquela maravilha não é tão maravilhosa assim. Maldita garota, por quê ela não me impediu de comprar aquela coisa pavorosa? Deveria ter lutado pelos seus direitos! E custou tão caro, como eu podia ter gasto tanto naquilo?
Com o coração cheio de arrependimento, coloco minha mais nova aquisição junto à tantas outras que fiz no passado e me arrependi. Num cantinho do meu guarda-roupa todas as peças compradas num momento de impulso. Mas quando será que eu vou aprender?

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