A mulher de trinta e poucos apaixonou-se pelo homem de quarenta e poucos. Ele havia alugado um escritório junto ao seu, no mesmo centro comercial, aquele in no miolo da cidade. E foi no primeiro almoço dividido, às treze em ponto, que o homem de quarenta e poucos demonstrou uma certa reciprocidade naquela paixão inesperada. Pensaram em dividir a alface e o bife, mas acharam melhor esperar um pouco mais antes de tomar certas liberdades gastronômicas na frente dos colegas de trabalho. Essa de comer juntos e em público soava-lhes um tanto subliminar. Não queriam ser taxados de solteirões desesperados. Fizeram de conta que não se importavam um com o outro. Ensaiaram uma expressão de desdém mútuo, até que, por fim, decidiram dividir não só o prato do almoço, mas também a quitinete onde ele morava. A mulher de trinta e poucos não se incomodou em abandonar a casa da mãe pra morar num quarto e sala. Saiu de cabeça erguida e jogou fora o título de vitalina que há tanto carregava dentro da bolsa. Não levou nada, apenas duas mudas de roupa e a necessaire com a maquiagem e os creminhos anti-rugas; para uma mulher que já passara dos trinta ela era indispensável, tão importante quanto a própria vida. Passou a trabalhar com mais entusiasmo, ganhou novas cores e começou a comer mais natural. Pensou em todo o tempo que perdeu sem ele e não sabia como um homem assim tão especial estivesse sozinho esse tempo todo. O homem de quarenta e poucos agradeceu o elogio e explicou que não era bem o solteiro convicto que ela pensava. Estava sozinho sim, mas isso após um casamento falido de quinze anos e um filho da mesma idade. A mulher de trinta e poucos não se chocou com a crueza da verdade. Sorriu e achou a sua sinceridade ainda mais romântica. Prometeu não tocar mais no passado e pediu pra conhecer o seu rebento, sangue do seu sangue.
Jamais serei como as folhas secas que caem mortas no chão... Voarei por entre os ciprestes e chegarei a um lugar onde talvez ninguém me encontre, não importa. Recuso-me permanecer no ponto de partida; prefiro a solidão à mesmice.
segunda-feira, abril 26, 2010
terça-feira, abril 20, 2010
Um café, meia hora e alguns dentes
Enquanto tomava meu café, comecei a folhear a minha querida revista de saúde e bem-estar estalando de nova. A capa brilhante com a foto de uma sílfide comendo uma suculenta melancia me deixou com vontade de ler o primeiro artigo. E ele era taxativo: Escovar os dentes após ingerir certos alimentos como café, refrigerante ou hortaliças escuras pode provocar cáries! Meu mundo caiu e a minha credulidade nas escolas elementares também. Então o que a tia Graça me ensinou durante todos esses anos era pura balela! E eu que corria pra escovar os meus dentinhos após as refeições! Bem, os doutores concluíram que o ácido de certos alimentos em contato com o dentifrício logo após a refeição pode provocar crateras lunares no esmalte dos dentes. Em suma, deveríamos esperar pelo menos meia hora até fazer nossa higiene bucal. Essas revistas nunca mentem, eu sei!
Deixei-me seduzir pelo apelo saudável da revista. O rapazote que vendia asinaturas me convenceu: “Um exemplar por mês, coisa de cinema, senhora. Uma revista super antenada, cheia de novidades sobre as mais recentes descobertas sobre a saúde”.Apaixonei-me pela idéia de virar uma mulher cheia de energia e vitalidade. Mas até que ponto nossas vidas tem de mudar em nome das novas descobertas científicas?
Isso me faz lembrar do caso do marido de uma amiga, um homem pacato e educado a quem Amália, a minha querida amiga enchia de amor e dedicação. Lembro-me como se fosse hoje do doce despertar numa manhã de segunda-feira em sua casa. Eu, como hóspede numa casa minúscula e de paredes finas presenciei o seguinte diálogo:
Passa o peru
Através das finas paredes das casinhas de vila, rodeadas de mangueiras frondosas, ouvia-se mais uma vez as mesmas palavras:
–Vovó, passa o peru!
–Tome.
–Obrigado.
–Por nada, querido. Alguém mais?
–Sim mamãe, me passe o peru, obrigada.
–Pode me passar o peru também?
–Sim. Aqui está.
–Vou guardar o peru, alguém ainda quer?
–Não, vovó, obrigado.
O diálogo sobre o bendito peru na hora da refeição repetia-se todo santo dia. Naquela pequena vila de casas populares, os vizinhos não entendiam como aquela família humilde podia comer semelhante ave diariamente. Dizia-se à boca miúda que a vovó Adelina tinha sido uma moça muito rica e cortejada pelos homens mais poderosos da capital, mas por ter confiado no homem errado, havia perdido tudo, conservando apenas a dignidade. Via-se os restos da aristocracia em seus vestidinhos surrados. Notava-se de longe que aquele senhorinha de chapéu puído e luvas gastas ia à missa todos os dias com o que restara de seu passado pomposo. O genro de Dona Adelina fazia carregamentos na feira do bairro e sua esposa, lavava e passava para fora, ajudando a criar os dois flhos. Um parco dinheiro no fim do mês que servia para as despesas básicas. Impossível imaginar que aqueles operários comessem peru todos os dias.
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