Jamais serei como as folhas secas que caem mortas no chão... Voarei por entre os ciprestes e chegarei a um lugar onde talvez ninguém me encontre, não importa. Recuso-me permanecer no ponto de partida; prefiro a solidão à mesmice.

domingo, abril 22, 2012

Vendi minha alma

Vendi minha alma ao diabo e só agora percebo a gravidade do meu insano ato. Isso mesmo, caro amigo. Escrevo-lhe essas nervosas e mal traçadas linhas propositalmente piegas no afã de desabafar e registrar o meu drama. É assim que me sinto: extremamente cafona, ridicurlamente ultrapassado. Deixei-me levar por uma idéia velha e "batida". Nenhuma novidade em pactuar com o "capiroto", sei disso. Mas não resisti. Não que eu seja uma espécie de Dorian Gray moderno que põe a vaidade acima de todas as outras coisas. Não sou tão vaidoso assim. A fealdade para mim é relativa e até aceitável; depende dos olhos de quem a vê. Tampouco o fiz por obter a vida eterna, como fazem todos aqueles que aceitam um acordo com o "canhoto". Não meu amigo, não tenho a intenção de ser eterno… Não temo os chifres pontiagudos do bicho, nem as labaredas assassinas da sua antessala. Seu rabo longo, sua língua bifurcada e seu tridente afiado não me amedrontam tanto. Não é esse o caso. Também não creia que sou um herói que nada teme, um valentão que enfrenta os perigos de peito aberto - Nem tanto ao mar, nem tanto à terra - se é uma coisa que sou é sensato. Sei que contra ele não tenho chance.


Passo as noites em claro, virando de um lado para o outro, enquanto minha mulher dorme o sono dos justos, confortável debaixo do edredom quadriculado, presente de casamento. E quando toco aquela maldita coberta sinto todos os pêlos do meu corpo arrepiarem-se, até nos lugares mais recônditos! Tenho pesadelos, mesmo acordado, sinto vontade de sair correndo pela madrugada, nu como São Francisco, renunciando a todos os bens que possuo, ao conforto e à minha vida inteira. mas não posso me dar a esse luxo. Tenho um contrato a respeitar. Sou homem de palavra, perfidamente honesto. Sou um banana, meu caro, um borra-botas. Anos frequentando a missa, comungando e confessando meus pecados.O fiel preferido do padre Olegário…Para quê?! Para ver a minha alma dissolver-se no ácido pútrido daquela força maligna! Sou um fraco, estimado amigo. A mais fraca das criaturas.

Minha esposa dorme, são três horas da manhã. Eu aqui de pijama e chinelos, enrolado numa manta, encolhido na cozinha fria, para não acordá-la. A única coisa que posso fazer é escrever-lhe, alguém deve conhecer o meu martírio, tenho que dividir a minha angústia. Meu desabafo deve trazer-me um pouco de alento. Acendo o fogo e espero a água ferver. Jogo um saquinho de chá dentro, camomila. O papel do infuso faz um turbilhão na água fervente. Vejo um redemoinho sinistro tomar conta da chaleira, respingando em minha pele gotículas incandescentes de lava. Jogo fora imediatamente a maldita bebida no ralo da pia, com chaleira e tudo. Posso sentir o cheiro do enxofre alastrando-se pelo ar. Minha mãos tremem, não sei se terminarei esta carta, caro amigo. Preciso de um trago, encontro uma garrafa velha com o resquício de um licor ainda mais antigo. Não me pertence, mas preciso relaxar. Nem sei onde estão os cálices, bebo direto do gargalo as últimas gotas da bebida, nem sei o que estou fazendo. Afogo a alma que já não é minha naquele líquido rubro…doce alívio. Tenho medo. Não sei o que será de mim amanhã. Por enquanto o meu cobrador está calado, mas sei que deverei pagar o seu preço, o preço que vale minha pobre alma.

Estou de novo no quarto, escreverei aqui mesmo, não tenho coragem de enfrentar o "animal" sozinho. Ao lado de minha mulher adormecida lembro dos anjos que nos uniram e nos convenceram ao altar. Todos os amigos compareceram, os jorros de arroz cobriram nossa cabeças com a boa fortuna dos enamorados. Éramos felizes. Possuíamos juventude, desejo e otimisto. Mesmo no café da manhã, antes de pegar o ônibus, nos beijávamos realizados, comíamos pão com mortadela e arrotávamos faisão. Um período duro, mas se eu pudesse voltar atrás, não abandonaria o nosso doce pardieiro por nada desse mundo. Eu era um homem livre, podia até voar se quisesse, perdoe-me o desatino, mas hoje sinto-me como se tivesse uma grande e pesada bola de ferro acorrentada a meus pés. O pior de tudo é que esses grilhões são invisíveis, só eu sei o quanto me machucam; sinto a ferida aberta, purulenta, latejando em minha entranhas. Ah, meu amigo, você não imagina os tormentos que tenho que suportar. Caminhando devagar para que o "dito cujo" não perceba a minha presença, fazendo todas as suas vontades, esgueirando-me pelas frestas da casa igual aos bolões de poeira que se escondem debaixo dos móveis com medo de ser varridos. Tal qual um criminoso, tudo para não contrariá-lo. Quando dirijo meu carro último tipo sinto que ele me observa do banco de trás e a qualquer momento posso morrer ali mesmo, atrás do volante. Uma morte lenta e cruel, agonizando em meio às ferragens, como um porco na hora do abate. Minha carteira recheada de cédulas polpudas e cartões de crédito reluzentes não me fascinam mais como antes. O maldito brilho do dinheiro agora me atordoa, não sinto mais prazer em usá-lo, sinto calafrios a cada compra. Mas minha mulher está feliz, seu sorriso me faz sorrir, ver seu rosto angelical me faz esquecer por um minuto da minha desgraçada existência. Como é bela a minha Ângela, celestial até mesmo no nome…você não imagina, meu amigo, o quanto ela mudou nesses últimos tempos; cada vez mais paciente, mais sábia, mais carinhosa.

Ainda não tivemos filhos, não tínhamos onde cair mortos. Mas agora que temos uma condição financeira estável, ela me propôs começar a pensar num primogênito. Sorri meio sem jeito, beijei-a disfarçando em meu rosto a expressão de terror. Como posso eu fazer planos para uma vida futura, colocar um ser no mundo sabendo que estou condenado? Não posso. Não é justo! Essa pobre criatura herdaria minha dívida, arrastaria sua pobre alma pelos subterrâneos do inferno, respirando o ar poluído de satanás! Repito, não posso! Pobre Ângela devo negar-lhe o prazer da maternidade. Mas é justo que seja assim, faço por amor, meu caro, por amor… O demônio tem mil faces e seus estratagemas são infinitos. Não se surpreenda se eu lhe disser que presenciei o "maldito" enfiado no meio das carolas, ao lado do sacerdote na praça, em frente à todos. Ele nada teme, exibe um olhar doce e triste, enganando àqueles que estão por perto. E isso não é o pior, pasme com o que vou lhe dizer: ele vai à missa todos os dias! Não, não estou brincando, não quero que pense que estou zombando da sua inteligência. O "desgraçado" se infiltra até mesmo em terreno santo! E não são poucas as vezes que me acordo em sobressalto pela manhã bem cedo com Aves-Marias estridentes e ladainhas distorcidas que se repetem do início ao fim ao longo do dia. Vejo rosários e imagens espalhadas pela casa, os santos com suas bocas de gesso gargalhando da minha aflição, zombando de mim. Mas o pior não são essas visões, você não pode imaginar o que significa comer sob o olhar maligno da criatura. Cada garfada, cada porção a mais que ponho em meu prato minguado parece incitar sua ira. Suas narinas bufantes controlam todos os meus movimentos como verdadeiros olhos. Sua expressão horrenda lembrando-me o azinhavre que se forma nos antigos tachos de cobre dos ciganos me fixa, como se eu fosse um criminoso. Sentiria até indigestão, caro amigo, se comesse com todos aqueles olhares maléficos em cima de mim. Por isso passei a jejuar, alimentando-me como um passarinho, satisfazendo-me de migalhas e sobejos da minha esposa. Ela não compreende meu drama, coitada, nem imagina a crise pela qual estou passando. Atribui o meu desânimo à anemia e à falta de vitaminas. Desde então me entope de suplementos e mezinhas, fígado mal passado e gemada quente com canela. Mas o seu bem querer à minha pessoa só aumenta o meu enjoo e acirra o meu desespero.

Não quero mais resistir, estou cansado. Não tenho domínio nem mesmo sobre as portas de casa. Vivem sempre abertas. Como num terrível pesadelo, o sol iluminando o meu rosto abatido, o vento rodopiando em toda a casa, fazendo a curva em nosso quarto. O vento do desespero, do medo. Cubro-me, mas a coberta não é o suficiente para abrandar meus calafrios. Nem mesmo em dia de chuva o "tinhoso" baixa a guarda. Escancara as janelas discretamente direcionando o vento gélido até o quarto, diretamente em minha espinha dorsal. Ah, caro amigo, já perdi as contas de quantas vezes me resfriei. Acho que acabei me acostumando às infecções de garganta e ao catarro grosso enchendo-me o peito. Pegar friagem passou a ser uma constante em minha pobre vida. Eu até que tento, juro! Fecho as janelas, tranco a porta da sala, mas não tem jeito. Encontro-as sempre abertas. E não é só isso; não sei o que pensar quando encontro sacos cheios de lixo ao redor da minha cama. Sim! O danado traz os sacos da cozinha e os deposita em meu quarto! Geralmente o faz quando Ângela não está por perto. Não é a primeira vez que escorrego no chorume que se infiltra pelos ângulos de minha alcova. Corro para limpar tudo, afinal não quero criar confusão com o inimigo, mas a fedentina persiste e minha doce Ângela se volta contra mim, eu sou o culpado! Talvez sejam as minhas meias sujas ou as cuecas que esqueci de jogar no cesto de roupas… coitada, eu a perdoo, sei que não fez por mal, é somente mais uma das peripécias do demônio que a induz a brigar comigo, causando a discórdia dentro de casa.

Acho que não consigo mais escrever, dileto amigo. Não sei se terei forças para terminar o meu relato. Preciso de outro trago, não posso contar-lhe essas coisas "à seco". Calço as pantufas de Ângela, o único meio de esquentar meus pés congelados. Tenho a terrível sensação de que estão necrosando, assim como todo o meu corpo. Pé ante pé chego à cozinha. Não faço barulho, igual a uma alma penada, levitando todos os meus oitenta quilos de puro temor. Nada encontro. A última gota já se evaporou em meu estômago vazio. Não vejo nada além de água em cima da mesa. Quando o sol se põe o "temido" esconde todas as guloseimas da casa, inclusive as bebidas. Não sei onde diabos ele enfia todos os biscoitos, doces e marmeladas, queijos e salgadinhos, pudins e sorvetes…nunca descobri! Cambaleante de frio sento-me à mesinha. Água não está nos meus planos, quero mesmo é encher a cara, esquecer minhas mazelas, entrar em coma alcoólico e acabar com tudo de uma vez por todas. As pantufas extremamente fofas e silenciosas de minha mulher batem em algo no chão. Ali estava! Bebi quase tudo daquela delícia rubra, o fragrante cheiro do vinho deu-me um grande alívio. Senti os anjos que beijavam os meus pés. Bebi outro grande gole como se minha salvação estivesse naquela garrafa. De repente todo o meu corpo começou a esquentar, como se uma grande coberta de veludo me envolvesse dos pés à cabeça. Estou prestes a esquecer todos os meus problemas…qual sensação estranha! Sinto um fio cortante de vento atingir minhas costas desavisadas. "Ele" está por perto, posso sentir a sua presença. O cheiro de enxofre faz-se presente de novo. Estou desprotegido, meu leal amigo; sem escudos santos, nem patuás. Tenho medo! Penso em levantar-me e retornar ao quarto. Preciso desparacer…mas estou muito cansado de fugir. Não posso continuar escondendo-me como um covarde! Tenho que criar coragem e enfrentar o meu drama. Nunca passou-me pela cabeça em olhar o que havia debaixo da pia. Aquele compartimento sempre fora um mistério para mim, certamente era um simples depósito de detergente e buchas de prato. Mas eu não posso titubear, meu amigo, não desta vez. Derramo não sei quanto na taça, acho que meio litro do recipiente. Tinha achado a embalagem plástica em meio às caixas de sabão. Não sabia muito bem do que se tratava, só sei que a palavra "perigo" em letras maiúsculas no posterior da garrafa fez-me ter a certeza de seu conteúdo. Sei que estou embalado pelo doce torpor do álcool, mas eu só quero uma coisa: enfrentar Satanás e derrotá-lo!

Minha cabeça dói. Não o vejo mais. Não sei o que estava lhe dizendo antes, meu caro. Tenho a estranha sensação de que as horas andaram adiante sem que eu percebesse. Ah, agora lembro-me! O "bicho" não está mais aqui. Contarei o que aconteceu:

O "tinhoso" chegou como quem não quer nada. Com suas habituais rondas noturnas para controlar os meus passos. Ofereci-lhe uma taça de vinho, vermelho, aveludado, temperado com o conteúdo daquele estranho líquido tóxico. Sorrindo, o "belzebu" recusou minha oferta, mas eu insisti, fingindo-me cordial. E quando estávamos prontos para brindar, eu deixei cair o recipiente de veneno quase vazio no chão. Apressei-me em apanhá-lo, não queria que meu plano fosse por água abaixo. Sorri e com a minha taça cheia nas mãos brindei junto à minha sogra o início da minha liberdade. E eu que estava enrolado naquela maldita coberta que ela nos presenteara no dia do nosso matrimônio. Esvaziamos os copos. Bebemos tudo. E eu não via a hora de vê-la estrebuchar na minha frente. mas a maldita víbora deu uma gargalhada sonora e longa, como se quisesse me dizer algo.

Descobri que é praticamente impossível enganar o diabo. Pensei que no alto dos seus setenta anos aquele demônio de saias fosse capaz de tudo menos de me envenenar. Quando a minha glote fechou, percebi que a infeliz tinha trocado os copos. Ela sempre foi prevenida, não confiava em ninguém, muito menos em mim. Daquele momento em diante fui acometido pelas piores sensações que um ser humano pode ter antes de encontrar o Pai celestial. Minhas entranhas estavam sendo corroídas pelo fel da morte, o ar faltara em meu pulmões e meus olhos saíam das órbitas enquanto eu vomitava algo entre a cor preta e o cinza chumbo. Não sei quanto tempo sofri, tampouco recordo da expressão de Ângela quando me encontrou naquele estado de semi morte. Escrevendo essas humildes linhas, me dou conta de que não morri, não sei onde está a velha. Talvez tenha mudado de idéia e me socorrido. Agora entendo a sensação de ter avançado no tempo! Não lembro de ter estado no hospital, mas certamente fui salvo pelos médicos e agora encontro-me novamente em casa. Sei que ainda estou na cozinha, sinto cheiro de alecrim, a erva que a danada cultiva em cima da pia. O que me corrói o fígado é o fato de ter ganho um rótulo que não me cabe: o de suicida. Ainda posso sentir a maldita velha zombando de mim e dizendo a todos que tentei me matar por ser um fraco! Até mesmo na minha tumba ela queria me desmoralizar. Mas eu não morri! Maldita hora em que aceitei dinheiro emprestado da minha sogra. Ainda posso ouvir Ângela dizendo: "benhê, não vejo problema algum em aceitar esse empréstimo da mamãe, ela só quer nos ajudar." Acreditei e esse foi o meu erro. A velha me tinha nas mãos e decidira até mesmo quando e como eu deveria morrer. Ainda sinto o gosto metálico na boca, estimado amigo, mas fortunadamente não tenho mais dores. Acho que Ângela está no quarto dormindo, sinto sua respiração, seu perfume. Termino esta carta e vou dormir nos braços de minha amada. Não sei o que ela tem, parece não me escutar. Está chorando. Ouço rumores de lágrimas ao longe…o que está acontecendo?

Não consigo respirar direito, tenho algo fofo nas narinas que me dão um certo desconforto. Fecho os olhos de repente tamanha é a luz que ilumina meu rosto. Nunca gostei da cor roxa, mas o pouco que consigo abrir dos meus olhos vejo essa roxidão asfixiante…não sei o que está acontecendo. Tenho que entregar-lhe esta carta, meu amigo…

— E esse aí, quem é?

— Mais um que chegou à beira da loucura. Fala sozinho e pensa que está escrevendo uma carta não sei a quem. Diz que fez um pacto.

— Outro?! Mas será possível? Dessa vez é real pelo menos?

— Na minha opinião esse daí surtou de vez. Necessita de tratamento e daqueles intensivos!

— Olha lá, ele está falando sozinho de novo… vou chamar os enfermeiros e…

— Não! Deixe que ele desabafe, é sempre bom deixá-los livres antes da cura.

Tenho sede, tento beber um pouco d'água, mas não sei porque não consigo me levantar. Minhas pernas estão duras, aliás, meu corpo inteiro. Tenho a impressão de que estou vazio por dentro. Sinto meu estômago completamente oco, arrisco até mesmo a dizer que sinto o vento me traspassando. Estou ficando louco? Não me lembro de ter pintado as paredes de azul. Todo esse celeste brilhante e tranquilo me dói os olhos. Vejo enormes e etéreos pedaços de algodão flutuando sobre minha cabeça… tudo por causa daquele maldito pacto!

— Nossa Senhora, mais um caso daqueles!

— Continua dizendo que fez um pacto.

— Com o diabo?

— Antes fosse! Seria mais fácil de consertar. Esse aí é mais uma vítima da sogra.

— Sogra de novo?! Pobre desgraçado…posso imaginar o quanto deve ter sofrido. Está cada vez mais difícil saber quem é mais perverso, as maldades das sogras são de alto nível, pouco a pouco elas estão se igualando ao "esquerdo", um páreo duro!

— Eh sim… o pior é que ainda não percebeu que já está morto. Sabe o que isso quer dizer, né?

— Trabalho dobrado! Serão anos até que ele se convença por completo. A nós anjos cabe sempre a mesma missão!

— Danação! Ops, perdão. Quis dizer… onde estão os clássicos casos de pacto com o demônio?

— Praticamente não existem mais. Lúcifer perdeu o interesse por essas alminhas ocas e vaidosas. Ouvi dizer que ele cansou. Mudou-se para o Oriente médio. Diz-se à boca miúda que ele está feliz, recolhe almas como quem bebe água. Homens-bomba e mulheres imoladas não faltam. O "danado" está rindo à toa!

— Não acredito que ele tenha aberto mão dos famosos pactos… eram míticos!

— Ah isso sim. Tinham lá seu charme. As pessoas que se propunham ao tal acordo eram, em sua grande maioria, grandes mentes. O defeito desses seres é que se deixavam levar pela vaidade, nunca estavam satisfeitos, queriam sempre mais. Perdi a conta de quantas almas ele se apossou nesses últimos séculos. Mas acho que ele se cansou de todo esse "glamour", da forma como seus "negócios" começaram a ser tratados. O "bicho" ficou uma fera quando um escritor famoso lançou aquela história do rapaz que trocou de lugar com o quadro…

— Sim, lembro-me bem. Mas dizem que o próprio escritor tinha lá seus acordos com o maldito.

— Intrigas, meu caro. Simples intrigas.

— Eu ainda acredito na tradição, mesmo do mal. Não tem mais graça desse jeito!

— Tem razão, os tempos mudaram. Lembra de como era emocionante salvar uma pobre alma das garras do "inominável" ?

— Como irei esquecer! Era duro, mas valia a pena. Raras eram as vezes em que falíamos, nem sempre se pode vencer da primeira vez. Quantas almas já salvamos em todos esses anos?

— Milhões, meu caro, milhões! Tenho saudades daquele tempo.

— Eu também. Agora só nos resta organizar tudo e mandar esses loucos ao manicômio celestial. Pobres almas… Além de ver o céu abarrotado de dementes, ainda temos que convencer o Pai que não são simples suicidas. Coitado, esse daí por exemplo, bebeu o veneno por engano.

— Mas bem que ele queria matar a velha…

— Desespero de causa, meu caro, uma alma atormentada. Acho que merece ser perdoado. Mas quem sou eu para decidir…

— Temos que fazer alguma coisa, não podemos ficar de braços cruzados. Vamos falar com Lúcifer!

— Deus me livre, cruz e credo! Ficou louco? Falar com o "maldito"?!!!

— Sim, temos que convencê-lo a voltar à ativa, como nos velhos tempos! E depois temos que falar com as sogras também. Não é possível que elas consigam a proeza de ser mais odiosas que o próprio Satanás. Lógico que elas não tem o poder de apoderar-se das almas, mas causam um estrago imenso…
Bem, já que você tem medo de falar com o "dito cujo", atribuo-lhe então a missão de falar com as sogras…

— Ahn?!!! Bem, eu… Oriente Médio, você disse, não?

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